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Fortunata Alves dos Santos (minha avó) |
Quarenta anos, quarenta e cinco. Você sente, obscuramente, nos seus
ossos, que o tempo passou mais depressa do que esperava. Não lhe incomoda
envelhecer, é claro. A velhice tem suas alegrias, as sua compensações
- todos dizem isso, embora você pessoalmente, ainda não as tenha descoberto
- mas acredita.
Todavia, também obscuramente, também sentida nos seus ossos, às
vezes lhe dá aquela nostalgia da mocidade.
Não de amores nem de paixão; a doçura da meia-idade não lhe exige
essas efervescências. A saudade é de alguma coisa que você tinha e
lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade. Bracinhos de criança no
seu pescoço. Choro de criança. O tumulto da presença infantil ao seu
redor. Meu Deus, para onde foram as suas crianças? Naqueles adultos
cheios de problemas, que hoje são seus filhos, que têm sogro e sogra,
cônjuge, emprego, apartamento e prestações, você não encontra de modo
algum as suas crianças perdidas. São homens e mulheres - não são mais
aqueles que você recorda.
E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias
da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente
grátis - nisso é que está a maravilha. Sem dores, sem choro, aquela
criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou
penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um
estranho, é um menino que se lhe é "devolvido". E o espantoso é que
todos lhe reconhecem o seu direito sobre ele, ou pelo menos o seu
direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria escândalo
ou decepção, se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele
amor que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.
Sim, tenho a certeza de que a vida nos dá os netos para nos compensar
de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos
e felizes, que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado
pelos arroubos juvenis.
Aliás, desconfio muito de que netos são melhores que namorados,
pois que as violências da mocidade produzem mais lágrimas do que enlevos.
Se o Doutor Fausto fosse avô, trocaria calmamente dez Margaridas por
um neto...
No entanto! Nem tudo são flores no caminho da avó. Há, acima de
tudo, o entrave maior, a grande rival: a mãe. Não importa que ela,
em si, seja sua filha. Não deixa por isso de ser a mãe do neto. Não
importa que ela hipocritamente, ensine a criança a lhe dar beijos
e a lhe chamar de "vovozinha" e lhe conte que de noite, às vezes,
ele de repente acorda e pergunta por você. São lisonjas, nada mais.
No fundo ela é rival mesmo. Rigorosamente, nas suas posições respectivas,
a mãe e a avó representam, em relação ao neto, papéis muito semelhantes
ao da esposa e da amante nos triângulos conjugais. A mãe tem todas
as vantagens da domesticidade e da presença constante. Dorme com ele,
dá-lhe banho, veste-o, embala-o de noite. Contra si tem a fadiga da
rotina, a obrigação de educar e o ônus de castigar.
Já a avó não tem direitos legais, mas oferece a sedução do romance
e do imprevisto. Mora em outra casa. Traz presentes. Faz coisas não
programadas. Leva a passear, "não ralha nunca". Deixa lambuzar de
pirulito. Não tem a menor pretensão pedagógica. É a confidente das
horas de ressentimento, o último recurso dos momentos de opressão,
a secreta aliada nas crises de rebeldia. Uma noite passada em sua
casa é uma deliciosa fuga à rotina, tem todos os encantos de uma aventura.
Lá não há linha divisória entre o proibido e o permitido, antes uma
maravilhosa subversão da disciplina. Dormir sem lavar as mãos, recusar
a sopa e comer croquetes, tomar café, mexer na louça, fazer trem com
as cadeiras na sala, destruir revistas, derramar água no gato, acender
e apagar a luz elétrica mil vezes se quiser - e até fingir que está
discando o telefone. Riscar a parede com lápis dizendo que foi sem
querer - e ser acreditado!
Fazer má-criação aos gritos e em vez de apanhar ir para os braços
do avô, e lá escutar os debates sobre os perigos e os erros da educação
moderna...
Sabe-se que, no reino dos céus, o cristão defunto desfruta os mais
requintados prazeres da alma. Porém não estarão muito acima da alegria
de sair de mãos dadas com o seu neto, numa manhã de sol. E olhe que
aqui embaixo você ainda tem o direito de sentir orgulho, que aos bem-aventurados
será defeso. Meu Deus, o olhar das outras avós com seus filhotes magricelas
ou obesos, a morrerem de inveja do seu maravilhoso neto!
E quando você vai embalar o neto e ele, tonto de sono, abre um olho,
lhe reconhece, sorri e diz "Vó", seu coração estala de felicidade,
como pão ao forno.
E o misterioso entendimento que há entre avó e neto, na hora em
que a mãe castiga, e ele olha para você, sabendo que, se você não
ousa intervir abertamente, pelo menos lhe dá sua incondicional cumplicidade.
Até as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem
entre avó e neto: o bibelô de estimação que se quebrou porque o menino
- involuntariamente! - bateu com a bola nele. Está quebrado e remendado,
mas enriquecido com preciosas recordações: os cacos na mãozinha, os
olhos arregalados, o beicinho pronto para o choro; e depois o sorriso
malandro e aliviado porque "ninguém" se zangou, o culpado foi a bola
mesma, não foi, vó? Era um simples boneco que custou caro. Hoje é
relíquia: não tem dinheiro que pague.
(O brasileiro perplexo, 1964)
(O brasileiro perplexo, 1964)
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