24/07/2011

Porque meu silêncio ...

    "Na palavra, a comunicação se realiza. No silêncio, ela se completa. Pois a compreensão se concretiza a partir do silêncio. Há poder em ambos e a sabedoria é usar bem esses dois tempos da comunicação. Dentro de uma composição as pausas são tão importantes quanto os sons. Uma boa orquestra é aquela que executa bem as dinâmicas das pausas e das continuidades. Mesmo no silêncio da pausa a canção continua. Não diga as coisas com pressa. Mais vale um silêncio certo, que uma palavra errada. O poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade recomendava aos poetas "Convive com os teus poemas antes de escrevê-los. Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam. Espera que cada um se realize e consuma com seu poder de palavra e seu poder de silêncio." A recomendação do poeta é sábia e pertinente. Um poema só é bem, só é bom, se maturado na sementeira do silêncio. Antes de se tornar palavra, a poesia é experiência de vida silenciosa. Os artistas sabem disso, e nós precisamos aprender. Demora naquilo que você precisa dizer. Livre-se da pressa de querer dar ordens ao mundo. É mais fácil a gente se arrepender de uma palavra dita, do que de um silêncio. Palavra errada na hora errada pode se transformar em ferida naquele que ouviu, também naquele que disse. Há muitos momentos da vida em que o silêncio é a resposta mais sábia que nós podemos dar a alguém. Na pressa de falar, corremos o risco de dizer o que não queremos, e diante de tudo que foi dito, nem sempre temos a possibilidade de consertar o erro Palavras erradas costumam machucar para resto da vida, já o silêncio certo, esses possuem o dom de consertar. Por isso, prepara bem a palavra que será dita. Palavras apressadas não combinam com sabedoria. Os sábios sempre preferem o silêncio. E nos seus poucos dizeres está condensada uma fonte inesgotável de sabedoria. Não caia na tentação do discurso banal, da explicação simplória. Queira a profundidade da fala que nos pede calma. Calma para dizer. Calma para ouvir Uma regra interessante para que tenhamos uma boa compreensão de um texto, é justamente a calma. Só assim podemos adentrar nos significados que o autor quis sugerir e conseqüentemente mergulhar no mistério do seu texto. Leituras apressadas podem fomentar equívocos, e equívoco é uma espécie de desentendimento entre o que escreve e aquele que lê. É uma forma de obstáculo para a compreensão da linguagem Na comunicação verbal cotidiana, isso sempre acontece. Dizemos, e não somos compreendidos. Diante do impasse duas realidades são possíveis: ou alguém disse com pressa, ou alguém escutou sem atenção. Dizer e ouvir requerem silêncio. Só diz bem, aquele que pensou antes no que iria dizer, e ouve melhor aquele que se calou para escutar. A regra é simples, mas exigente. Por isso hoje, nesse tempo de palavras muitas, queiramos a beleza dos silêncios poucos."

Padre Fábio de Melo

06/07/2011

A cura indesejada

          Penso que São Paulo se equivocou ao dizer que o amor tudo crê, tudo espera e tudo suporta. Não é bem assim. Afinal, o amor, como alertava Drummond, é bicho instruído. Portanto, ele pode pular o muro, subir na árvore em tempo de se estrepar: "Pronto, o amor se estrepou. Daqui estou vendo o sangue que escore do corpo andrógino. Essa ferida, meu bem, às vezes não sara nunca/ às vezes sara amanhã". E o danado é que às vezes sara mesmo. Mas, e o amor é doença para sarar? Claro que é. Se não fosse, Camões não teria dito: "Amor é fogo que arde sem se ver, É ferida que dói, e não se sente".
Padre Antônio Vieira (duvido que alguém escreva melhor do que ele) também considerava o amor uma doença - que deveria ser incurável, mas, infelizmente, tem cura. E quais são os remédios do amor, segundo Padre Vieira? São apenas quatro, mas com um poder de curar extremamente potente...
O primeiro remédio é o tempo. Por isso que Cupido, deus do amor, é pintado como criança, pois "não há amor tão robusto que chegue a ser velho". O passar das horas faz com que as flechas de Cupido percam a potência; que o amor que é cego passe a enxergar; que suas asas cresçam e ele voe para bem longe... o tempo gasta o ferro com o uso, diz Vieira, que dirá o amor! "O tempo tira a novidade das coisas, descobre-lhes os defeitos, enfastia-lhes o gosto..."
O segundo remédio, para curar o amor, é a ausência. Ora, se com a proximidade as flechas de Cupido correm o risco de não nos atingirem, que dirá com a distância... "A ausência tem os efeitos da morte: aparta, e depois esfria... tudo esquecido, tudo frieza". E o fogo que arde sem se ver, com a distância, vira um deserto polar.
O terceiro remédio é ainda muito mais poderoso do que os dois anteriores. O seu poder de ação é quase instantâneo: a ingratidão é mortal para o amor. "Se o tempo tira do amor a novidade, a ausência tira-lhe a comunicação, a ingratidão tira-lhe o motivo". E o danado é que só os amigos são ingratos. Era por isso que Nelson Rodrigues dizia que "só os inimigos são fiéis", já que estes nunca serão ingratos e nem nos trairão. Não foi a toa que Cristo se queixava de que semeando grandes benefícios nos corações dos homens, se colhia maiores ingratidões...
Por fim, se o amor foi capaz de resistir até aqui - embora duvido que exista amor que consiga vencer: o tempo, a ausência e a ingratidão-, chegou a vez do mais eficaz de todos os remédios, o que até hoje, ninguém deixou de sarar: o melhorar de objeto, que nada mais é do que conseguir um outro amor. "Dizem que um amor com um outro se paga", alerta Vieira, "mas o certo é que um amor com um outro se apaga"... as estrelas conseguem brilhar nas trevas, no entanto, numa luz ainda maior que é o Sol, elas desaparecem, deixam de brilhar... Infelizmente, o mundo está se curando do amor. Hoje, os relacionamentos são pelos celulares e internet, ou seja, ausentes e distantes. E com o passar do tempo serão tão frios que as terminações nervosas, que os unem, ficarão anestesiadas, e "o amor que não é intenso", adverte Vieira, "não é amor"... Triste humanidade que não consegue debelar um vírus de uma gripe suína, mas que é extremamente "competente" para destruir o vírus do amor...

 
Francisco Edilson Leite Pinto Junior
Professor, médico e escritor